terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Hipocrisia desvairada


Embora seja uma cidade com uma das noites mais interessantes do mundo, a cidade que nunca dorme, a cidade de todos os povos, São Paulo também cai fácil na tentação do moralismo rasteiro. A mais recente recaída do granizo da hipocrisia desabou sobre a Paulicéia nestes dias frios: os jornais denunciavam a exibição de outdoors de casas noturnas de garotas de programa.Um fim do mundo, meu Deus. Eta, que novidade! ORA, ORA, ORA, quanta indecência e pouca vergonha!!! Dá-me vinho e exclamações, velho Nelson Rodrigues, que a vida é nada.
Nos seus cartazes, algumas boates, esses velhos parques de diversões de gente grande, tentavam, da maneira mais criativa possível, chamar a atenção dos marmanjos que visitam SP por ocasião do Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1. Ora, que mal há nisso?
Por que um anônimo e faminto mecânico da Ferrari, depois do dever cumprido no autódromo de Interlagos, não poderia muito bem sucumbir às tentações da carne, às delícias do sexo? Ainda mais ao final da estafante temporada de corridas. Nem só de gnochi vive uma pobre criatura dessas, senhoras da liga católica de todas as plagas.
O pior é que a prefeitura tucana da cidade caiu no conto moralista. E lá vai a turma do Serra a destruir os cartazes e interditar casas noturnas onde se exerce, dignamente, e com a maior elegância, a mais antiga profissão do mundo.
Motivo alegado: ultraje público ao pudor.
Vossas excelências, quanta hipocrisia. Parece que voltamos aos tempos das Senhoras de Santana. Neste momento a megalópole cosmopolita, o berço da modernidade, não passa de uma Sucupira, com as suas irmãs Cajazeiras, como na ficção televisa de “O Bem Amado”.
Ultraje público ao pudor?
Mal sabem o importante papel social que essas garotas exercem numa cidade estressante e sem atrativos naturais. Deveriam receber medalhas e homenagens pelos serviços prestados à comuna. Santo Agostinho que o diga. Ele via nas prostitutas as salvadoras de muitos casamentos, o que constituía uma vantagem até para os preceitos mais conservadores da Santa Igreja Católica.
Desde que o mundo é mundo que nós, os machos de todas as naturezas e lugares possíveis, procuramos essas belas moças para momentos de prazer e entretenimento. As velhas casas da luz vermelha são templos sagrados, merecem mais respeito do que a maioria das repartições e igrejas abertas por ai.
Como diria Oswald de Andrade, renomado freqüentador dos lupanares, as trabalhadoras do sexo são verdadeiras agentes de saúde pública.
Enquanto a brigada moralista ataca em São Paulo, o ídolo brega Odair José volta com tudo a fazer sucesso sob a garoa. Aproveito a histeria tucano-cristã para lembrar o trecho de uma das suas mais belas canções, justa homenagem à mais antiga das profissões: “Eu vou tirar você desse lugar/ eu vou levar você pra ficar comigo/e não interessa o que os outros vão falar”.




Escrito por: Xico Sá é autor dos livros “
Divina Comédia da Fama” (editora Objetiva) e “Modos de Macho & Modinhas de Fêmea” (editora Record)

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